Parceiro


quinta-feira, 9 de julho de 2015

ZÉ CAXEIRO O ALQUIMISTA DO SERTÃO

Na década de 60 eu era um menino de calças curtas, pernas tortas, cabelos negros e lisos, muito magro e curioso, também buliçoso. Na praça do coreto às vezes, me distanciava dos colegas para descobrir coisas diferentes para fazer. Enquanto a maioria se divertia em peladas que entravam pela noite, reverberando e deixando as roupas suadas e o corpo cansado, Eu aprendia a ser louco, sentia uma atração muito grande pela ciência e descobertas, inventos e coisas do gênero. Um dos locais que gostava de frequentar era Farmácia de Zé Caixeiro. Chegava lá por volta das sete da noite e quieto, observava ele na porta proseando com o compadre Justiniano que por horas a fio o distraia contando seus causos. Aproveitava aquele momento de distração para observar cada detalhe daquele mundo onde a ciência escolheu para morar. Era emocionante ver os frascos de formatos variados com suas essências . O cheiro delas misturadas dava ao ambiente um ar de muito respeito e seriedade. Vez por outra, adentrava um cliente e Zé Caixeiro ouvia atentamente as explicações e dava um prazo para o cliente vir buscar o remédio. Usando um avental branco, com manipulas e provetas sempre à mão fabricava em doses certas a cura para uma enorme quantidade de enfermidades que acometia o povo freipaulistano.
Era o alquimista das plagas sertanejas, e com sua dedicação integral a esse ofício, fabricava toda sorte de pós, pomadas, tinturas e soluções para todos os fins. Trata-se da primeira farmácia de Frei Paulo. Para mim, ele era um verdadeiro cientista, a atenuar as dores e os sofrimentos do pobre povo que o procurava para resolver até mesmo graves problemas de saúde. A assistência médica naquela época, vinha das raras visitas do Dr. Garcia Moreno. Zé Caixeiro muitas vezes me expulsava de sua farmácia, porque não me contentava em assistir, queria mexer em seus insumos e isso o deixava profundamente irritado. Era um médico prático que receitava e fazia os medicamentos. Um dia era um crepúsculo de verão, quando eu estava sentado no interior de sua farmácia, e uma senhora aflita adentrou e disse que seu pai estava moribundo, à beira da morte porque havia sido picado por uma cobra.
Zé Caixeiro muito diligente pegou um pequeno caixote metálico com algumas seringas , fechou seu estabelecimento e correu para socorrer o velho num casebre na estrada que vai para o açude de Zezé de Dona Rosa. Acompanhei ele e vi no chão a cobra morta e o velho numa cama gemendo dizendo que as vistas estavam escurecendo. Ele aplicou uma injeção e o velho, minutos depois levantou e foi para baixo do telheiro, fumar um cigarro de palha. Estava milagrosamente curado. Em uma conversa com meu pai , contou o fato e disse que aplicou água destilada no velho pois a cobra não era venenosa. Conta-se que certa feita chegou um matuto em sua farmácia e queria um remédio para sua doença. Ele perguntou o que era, o matuto respondeu: O povo lá diz que é “faz que doi” Zé Caxeiro disse: não conheço essa doença, mas tenho um remédio bom aqui. “Faz que cura” E quanto custa perguntou o matuto? -Dois cruzados -Mas eu só tenho um cruzado. Então ele respondeu “ Faz que leva e não leva”
Outro dia apareceu uma mulher gripada e perguntou Seu Zé, faz mal comer côco com esse cararro? Não faz mal faz é nojo. Seu nome verdadeiro era José Vicente, nasceu em Itabaiana mas viveu em Frei Paulo, sua esposa chamava-se Maria das Graças com quem teve os filhos: Diógenes, Hermes, Onofre, Daniel, Josefa e Nazaré. No dia de sua morte, Maria das Graças e seus filhos choravam ao pé da cama e ele já muito debilitado proferiu as seguintes palavras: Maria das Graças você está aqui?” Estou meu marido. E você Daniel está aqui? Estou meu pai. Então ele aflito perguntou “ Então quem diabos ficou tomando conta da Farmácia?” Deu o último suspiro e morreu. Alguns anos depois o local da farmácia foi demolido e entre os entulhos consegui alguns frascos e provetas de seu laboratório, guardei por anos mas acabei perdendo essas relíquias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário