Na década de 60 eu era um menino de calças curtas, pernas tortas,
cabelos negros e lisos, muito magro e curioso, também buliçoso. Na praça
do coreto às vezes, me distanciava dos colegas para descobrir coisas
diferentes para fazer. Enquanto a maioria se divertia em peladas que
entravam pela noite, reverberando e deixando as roupas suadas e o corpo
cansado, Eu aprendia a ser louco, sentia uma atração muito grande pela
ciência e descobertas, inventos e coisas do gênero. Um dos locais que
gostava de frequentar era Farmácia de Zé Caixeiro. Chegava lá por volta
das sete da noite e quieto, observava ele na porta proseando com o
compadre Justiniano que por horas a fio o distraia contando seus causos.
Aproveitava aquele momento de distração para observar cada detalhe
daquele mundo onde a ciência escolheu para morar. Era emocionante ver os
frascos de formatos variados com suas essências . O cheiro delas
misturadas dava ao ambiente um ar de muito respeito e seriedade. Vez por
outra, adentrava um cliente e Zé Caixeiro ouvia atentamente as
explicações e dava um prazo para o cliente vir buscar o remédio. Usando
um avental branco, com manipulas e provetas sempre à mão fabricava em
doses certas a cura para uma enorme quantidade de enfermidades que
acometia o povo freipaulistano.
Era o alquimista das plagas
sertanejas, e com sua dedicação integral a esse ofício, fabricava toda
sorte de pós, pomadas, tinturas e soluções para todos os fins. Trata-se
da primeira farmácia de Frei Paulo. Para mim, ele era um verdadeiro
cientista, a atenuar as dores e os sofrimentos do pobre povo que o
procurava para resolver até mesmo graves problemas de saúde. A
assistência médica naquela época, vinha das raras visitas do Dr. Garcia
Moreno. Zé Caixeiro muitas vezes me expulsava de sua farmácia, porque
não me contentava em assistir, queria mexer em seus insumos e isso o
deixava profundamente irritado. Era um médico prático que receitava e
fazia os medicamentos. Um dia era um crepúsculo de verão, quando eu
estava sentado no interior de sua farmácia, e uma senhora aflita
adentrou e disse que seu pai estava moribundo, à beira da morte porque
havia sido picado por uma cobra.
Zé Caixeiro muito diligente pegou
um pequeno caixote metálico com algumas seringas , fechou seu
estabelecimento e correu para socorrer o velho num casebre na estrada
que vai para o açude de Zezé de Dona Rosa. Acompanhei ele e vi no chão a
cobra morta e o velho numa cama gemendo dizendo que as vistas estavam
escurecendo. Ele aplicou uma injeção e o velho, minutos depois levantou e
foi para baixo do telheiro, fumar um cigarro de palha. Estava
milagrosamente curado. Em uma conversa com meu pai , contou o fato e
disse que aplicou água destilada no velho pois a cobra não era venenosa.
Conta-se que certa feita chegou um matuto em sua farmácia e queria um
remédio para sua doença. Ele perguntou o que era, o matuto respondeu: O
povo lá diz que é “faz que doi” Zé Caxeiro disse: não conheço essa
doença, mas tenho um remédio bom aqui. “Faz que cura” E quanto custa
perguntou o matuto? -Dois cruzados -Mas eu só tenho um cruzado. Então
ele respondeu “ Faz que leva e não leva”
Outro dia apareceu uma
mulher gripada e perguntou Seu Zé, faz mal comer côco com esse cararro?
Não faz mal faz é nojo. Seu nome verdadeiro era José Vicente, nasceu
em Itabaiana mas viveu em Frei Paulo, sua esposa chamava-se Maria das
Graças com quem teve os filhos: Diógenes, Hermes, Onofre, Daniel, Josefa
e Nazaré. No dia de sua morte, Maria das Graças e seus filhos choravam
ao pé da cama e ele já muito debilitado proferiu as seguintes palavras:
Maria das Graças você está aqui?” Estou meu marido. E você Daniel está
aqui? Estou meu pai. Então ele aflito perguntou “ Então quem diabos
ficou tomando conta da Farmácia?” Deu o último suspiro e morreu. Alguns
anos depois o local da farmácia foi demolido e entre os entulhos
consegui alguns frascos e provetas de seu laboratório, guardei por anos
mas acabei perdendo essas relíquias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário