Para mim o maior prazer era quando ela me levava para a malhada, uma pequena propriedade que eles possuíam logo depois da Imbira antes de chegar ao Açude Buri. Ali havia um lindo tanque farto em traíras e ipês amarelos entre as caatingas distantes. Na humilde casa morava o filho Henrique e o amigo Gileno, mas nos domingos a alegria tomava conta do lugar. Só a caminhada até lá sentido a brisa da manhã já valia o passeio. À noite o luar do sertão era nosso lume. Até o cachorro, Soinha, demonstrava satisfação, os cheiros de comida boa feito com muito esmero no fogão de lenha, guardião dos segredos dos gostos e aromas que só em lembrar dá água na boca. Nos deliciava a beleza daquele lugar que parecia mágico e entre caçadas e pescarias o dia se esvai numa velocidade avassaladora. Era conhecido como a Fazenda do Mudo.
A noite Gileno nos contava estórias impressionantes de sacis, lobisomens e lusernas que ganhavam vida naquele clima tão realista da noite do sertão. Era impossível não acreditar porque ele próprio acreditava piamente no que nos contava. Ao sair para a próxima caçada levava fumo de rolo para colocar num toco de árvore, uma oferenda ao Saci Pererê, para que a gente não se perdesse. Como se o Saci fosse de confiança. O mudo olhava e ria de nossas caras assustadas.
Um dia munidos de toda a indumentária necessária, com nossos chapéus de palha e candeeiros na fronte, adentramos os mistérios daquelas matas tão inóspitas, prenhes de labirintos. Em pleno inverno, as noite molhadas de agosto propiciavam o aparecimento de serpentes. " Não se preocupem esse mato eu conheço como a palma de minha mão" disse o nosso guia. Ninguém matou nenhuma rolinha naquela noite, e ficamos por horas perdidos rodando em circulo. Eu era muito pequeno e percebi o desespero de Gileno. Não parava de se lamentar , passamos horas e horas rodando no mato e nada de encontrar a saída. "Estamos perdidos maldito Sací" repetia ele com cara de desespero e rosto brilhoso de querosene. Entravamos em terrenos pantanosos e a todo instante ouvíamos gritos de colegas levando carreira de cobra choca, caminhavamos léguas e leguas e, de novo no mesmo lugar.
Lá pela madrugada , com água no pescoço e no seco, finalmente nosso guia achou uma vereda que nos levou de volta à malhada. Chegamos muito cansados e com as pernas e braços feridos por um arvoredo chamado unha de gato. Até hoje me pergunto o que eu fazia nessas faxiadas, ruim de pontaria na baleadeira,não matava os pássaros de dia, imaginem à noite na escuridão.
Mas quando o dia raiava o cheiro do café e o aroma do cuscuz de milho verde nos enchia de apetite. O cachorro latia, o galo cantava, o boi mugia, assanhaços e sofrês e anúns entoavam lindos cânticos no terreiro numa sinfonia matinal. D. Neildes nos passava uma sensação de segurança e aconchego enquanto conduzia à mesa suas briosas panelas, cheias de sentimentos nobres, entre eles um chegava a transbordar: felicidade, expressada por um eterno sorriso. Jamais esqueci, aqueles dias maravilhosos que nos proporcionava, tornando única nossa infância.
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