Parceiro


segunda-feira, 13 de julho de 2015

A FAZENDA DO MUDO




A casa de D. Neildes fazia parte de minha vida. Além de gostar muito das brincadeiras do seu filho Dudú, que teve uma infância cheia de aventuras, como não existe mais nos dias de hoje. Era tão criativo e caprichos, esse amigo maravilhoso, que nossa geração,sob sua influência mal começava a conhecer a televisão, com seus programas Shazam Xerife e Cia e Vila Césamo, mas prefería fazer o seu próprio enredo, em brincadeiras inesquecíveis e que não cessavam jamais. Fui aluno da Banca de Maria de Neildes, e vez por outra apreendia alguma lição com sua mãe, também mestra tarimbada que dava aulas no Martinho Garcez, D. Neildes era um exemplo de bondade e sabedoria. Jamais vi tamanha generosidade e tenho certeza que dinheiro nenhum do mundo compra a nobreza da alma e o sentimento que vem naturalmente do coração.
Para mim o maior prazer era quando ela me levava para a malhada, uma pequena propriedade que eles possuíam logo depois da Imbira antes de chegar ao Açude Buri. Ali havia um lindo tanque farto em traíras e ipês amarelos entre as caatingas distantes. Na humilde casa morava o filho Henrique e o amigo Gileno, mas nos domingos a alegria tomava conta do lugar. Só a caminhada até lá sentido a brisa da manhã já valia o passeio. À noite o luar do sertão era nosso lume. Até o cachorro, Soinha, demonstrava satisfação, os cheiros de comida boa feito com muito esmero no fogão de lenha, guardião dos segredos dos gostos e aromas que só em lembrar dá água na boca. Nos deliciava a beleza daquele lugar que parecia mágico e entre caçadas e pescarias o dia se esvai numa velocidade avassaladora. Era conhecido como a Fazenda do Mudo.
A noite Gileno nos contava estórias impressionantes de sacis, lobisomens e lusernas que ganhavam vida naquele clima tão realista da noite do sertão. Era impossível não acreditar porque ele próprio acreditava piamente no que nos contava. Ao sair para a próxima caçada levava fumo de rolo para colocar num toco de árvore, uma oferenda ao Saci Pererê, para que a gente não se perdesse. Como se o Saci fosse de confiança. O mudo olhava e ria de nossas caras assustadas.
Um dia munidos de toda a indumentária necessária, com nossos chapéus de palha e candeeiros na fronte, adentramos os mistérios daquelas matas tão inóspitas, prenhes de labirintos. Em pleno inverno, as noite molhadas de agosto propiciavam o aparecimento de serpentes. " Não se preocupem esse mato eu conheço como a palma de minha mão" disse o nosso guia. Ninguém matou nenhuma rolinha naquela noite, e ficamos por horas perdidos rodando em circulo. Eu era muito pequeno e percebi o desespero de Gileno. Não parava de se lamentar , passamos horas e horas rodando no mato e nada de encontrar a saída. "Estamos perdidos maldito Sací" repetia ele com cara de desespero e rosto brilhoso de querosene. Entravamos em terrenos pantanosos e a todo instante ouvíamos gritos de colegas levando carreira de cobra choca, caminhavamos léguas e leguas e, de novo no mesmo lugar.
Lá pela madrugada , com água no pescoço e no seco, finalmente nosso guia achou uma vereda que nos levou de volta à malhada. Chegamos muito cansados e com as pernas e braços feridos por um arvoredo chamado unha de gato. Até hoje me pergunto o que eu fazia nessas faxiadas, ruim de pontaria na baleadeira,não matava os pássaros de dia, imaginem à noite na escuridão.
Mas quando o dia raiava o cheiro do café e o aroma do cuscuz de milho verde nos enchia de apetite. O cachorro latia, o galo cantava, o boi mugia, assanhaços e sofrês e anúns entoavam lindos cânticos no terreiro numa sinfonia matinal. D. Neildes nos passava uma sensação de segurança e aconchego enquanto conduzia à mesa suas briosas panelas, cheias de sentimentos nobres, entre eles um chegava a transbordar: felicidade, expressada por um eterno sorriso. Jamais esqueci, aqueles dias maravilhosos que nos proporcionava, tornando única nossa infância.

Nenhum comentário:

Postar um comentário