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quarta-feira, 3 de agosto de 2016
O Gênio Zé de Graça ( Cap. 18 )
No dia 28 de julho de 1938 a marinete de Firmino desceu a Imbira na banguela tendo muitos passageiros com destino a Aracaju. Zé de Graça ao volante cuidadosamente transportava além de pessoas, um monte de quinquilharias, malas, cestos,etc, na parte superior do veículo. Era rotina fazer esse trajeto e ao chegar na capital que era calma e bucólica com seus bondes indo e vindo e a elegância dos aracajuanos na Rua João Pessoa, e Praça Fausto Cardoso, por onde ostentavam muita grandeza, com suas fobicas novas. Sempre com um olhar no futuro, ele andava pelas ruas fitando as vitrines que mostravam ternos elegantes e vários tipos de chapéus. Naquele dia Zé notou algo de estranhos , pequenos grupos divididos faziam cara de espanto. Se aproximou, como quem não quer nada, e ouviu da boca do comerciante Alcino Barros na porta de sua loja, comentários sobre a morte de Lampião. Se aproximou e tirou a dúvida, o comerciante lhe disse: “O fato aconteceu em Angicos, em Poço Redondo, no esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. A volante chegou tão sorrateiramente que nem os cães perceberam. Por volta das 5:00h do dia de hoje, os cangaceiros levantaram para rezar o ofício e se preparavam para tomar café; quando um cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais. Uma saraivada de balas de metralhadora deu cabo de Virgulino, Maria Bonita, e seu bando. Os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva foram os autores da façanha."
Por volta de cinco da tarde Zé estacionou a marinete na Praça do Mercado e deu a notícia, em pouco tempo a informação correu os quatro cantos da cidade. Porém um homem que costumava beber muito , conhecido como Rosendo com sua bestinha esquipadora fazia tudo para desmentir a informação, mas ele não merecia crédito, por só viver bêbado. Mas no dia 30 seguinte, a informação se conformou pois Zé para dirimir qualquer dúvida acerca da veracidade do fato , trouxe um exemplar do jornal O Globo que adquiriu na Bomboniere Chic, falando sobre a cabeça do rei do cangaço que estava em exposição em varias cidades do Nordeste. A população freipaulistana respirou aliviada e o Padre Madeira em sua celebração fez menção aos infortúnios do povo da região com a ação do cangaceiro e seu bando. Citou que ele mesmo foi um dia interceptado diante de uma cancela, no Coité dos Borges, por Zé Baiano. Estava acompanhado de Bê que era quem abria as cancelas em suas idas e vindas pregando o evangelho no sertão. Então naquela missa dominical, Zé voltou à sacristia após as prédicas criatianas do Padre Madeira e voltou a expor seu projeto do propulsor de andores.
Padre Madeira ouviu pacientemente suas explicações , achou muito interessante , o sistema era algo parecido com os ônibus elétricos de hoje, sendo que a energia era gerada a partir de um gerador, que ficaria instalado na casa paroquial.Um barulhento motor a diesel. O padre por fim deu seu parecer, desta vez mais pacientemente. “ Meu filho você é um homem muito inteligente , Deus lhe deu essa capacidade especial, mas não posso fazer isso. A hora sagrada da procissão é quando as autoridades querem aparecer, segurando o andor , se assim eu fizer, vão me criticar, fazendo tudo certinho eles já me criticam imagine se fizer isso” Zé entendeu o ponto de vista do padre e foi para casa conformado. Padre Madeira fez o sinal da cruz e disse baixinho: “Hoc est : Deus meus, quia non dosrmir cm zuada” traduzindo, “Como eu vou dormir com uma zoada dessa”
No caminho Zé de Graça encontrou um amigo de Itabaiana conhecido como Pulga de Cós, ele estava em Frei Paulo para instalar um grande transformador pois iria servir para dar suporte energético para o maquinário do fomento que estava sendo implantado,uma grande indústria descaroçadora de algodão, do governo federal . Os dois conversaram por horas e horas e Zé teve a oportunidade de mostrar outras ideias de sua fértil imaginação. Fizeram previsões de avanços tecnológicos e discutiram até cibernética, afinal esse cidadão apesar de muito novo, também tinha esse dom de mexer com máquinas e sistemas elétricos complexos, era da mesma estirpe do gênio.
O Gênio Zé de Graça (Cap. 17)
A morte do cangaceiro Zé Baiano seria um alívio para Zé de Graça pois ele era um dos que estavam na sua lista negra, assim como outros a exemplo do fazendeiro Josias Guedes que só não tombou no pipoco do mosquetão do facínora por que este fora muito bem tratado pela sua esposa D. Emília , quando se escondeu na sua propriedade. Os farois da marinete apontavam na ladeira do ceu e seu ronco quebrava a monotonia da pacata Frei Paulo dos anos 30 . Zé chegava cansado de sua labuta. Mas ao invés do merecido descanso foi até a Praça do Mercado e naquela noite ficou surpreso com o que avistou. Um acampamento de homens da força volante se instalou na praça, eram mais de 30, mesmo assim o clima de insegurança era geral.Passaram meses acampados ali. Ao tomar conhecimento da morte do seu comparsa, Lampião prometeu invadir Frei Paulo. Mandou um bilhete desaforado ao intendente Maurício Ettinger o que só aumentou o pavor da população “ Quando menos isperá nóis vai invadi São Paulo, a cabeça do delegado Germino Góes vai rolar, nem criança de nove mês vai iscapá” O ataque era certo e enquanto o medo tomou conta da maioria das pessoas Zé passava a noite matutando sobre seu primeiro invento. Em meio aos rumores de guerra , cansado acabou de finalizar seu invento inédito no mundo inteiro. Um complexo sistema propulsor de andores criado com muito esmero com base no trajeto da procissão do senhor São Paulo. Naquela noite esperou a missa acabar para mostrar a novidade ao Cônego Leal Madeira. Mas um fato deixava a cidade em profunda tristeza , naquele fim de tarde quando se buscava voluntários para garantir a cidade da invasão dos cangaceiros, aconteceu uma tragédia. Um disparo acidental da arma manejada sem muita experiência de Justiniano Oliveira, acabou por ceifar a vida de João Celeiro. Isso deixou o Cônego Madeira muito abalado e quando após a missa Zé cheio de entusiasmo foi apresentar o sistema propulsor de andores, saiu da igreja desapontado com uma quente e duas fervendo. O Cônego estava muito estressado com os fatos na sua paróquia então disparou ao inventor com muita fúria: ” Sacculum petat tempus filio suo loqui puella inventa” traduzindo para o português bem claro “Vá encher o saco de outros seu filho de rapariga isso é hora de falar em invenção”. Cabisbaixo e desapontado com seus projetos debaixo do sovaco, cruzou a praça do mercado por entre redes panelas e fuzis e foi para sua casa dormir. Alguns dias depois,ao tomar conhecimento que Lampião se encontrava acampado nas proximidades do Tanque Olhos d’água das Bestas(Tanque de Beber), Padre Madeira providenciou um caixão de defunto vazio e iniciou uma cerimônia fúnebre na igreja. Lampião ao saber que estavam velando um morto na cidade, em profundo respeito a exequies, não invadiu a cidade naquela noite. Mas na madrugada pelos fundos de quintal a alatumia dos cães denunciava a sondagem dos bandoleiros. Estes viram em frente a delegacia, uma trincheira com muitos homens protegidos por fardos de lã. Até na torre da igreja tinha gente bem armada para rechaçar o ataque, eram eles Meliano Barbeiro, Seu Santo de D. Madalena e outros voluntários. Lampião analisando a situação como uma ávida raposa de guerra das caatingas marchou com seu bando em direção ao Raso da Catarina, passando antes na fazenda de Sinhozinho Barbosa que lhe deu três mil contos de reis e depois pernoitou na fazenda de Napoleão Emídio, onde no dia seguinte pediu antes de ir embora três mil contos de reis, mas este só lhe deu hum mil contos,Lampião aceitou sem reclamar e seguiu viagem acompanhado de nove cabras entre eles seu braço direito Corisco. Zé de Graça seguiu sua rotina na marinete indo e voltando e melancólico por seu projeto ter sido rejeitado pelo Cônego Antônio Leal Madeira um português sem papas na língua.
O Gênio Zé de Graça ( Cap. 16 )
No dia 7 de janeiro do ano de 1936, já refeito das vicissitudes decorrentes das últimas secas, notadamente a de 1932 que promoveu um cenário de miséria e calamidade em toda região , Zé de Graça era um homem de seus trinta e poucos anos a procura de um emprego. Eis que surgiu uma oportunidade, dirigir uma marinete e transportar pessoas dos povoados. Ele não sabia muito bem dirigir então pediu umas aulas a um velho chofer e no dia seguinte se apresentou como candidato à vaga sem nunca antes ter dirigido um carro na sua vida. O Sr Firmino Mendonça, acompanhou pessoalmente o teste e ele foi aprovado de primeira, dirigiu a marinete sem qualquer embaraço e no mesmo dia já começou seu serviço. Fazia a rota Carira , Frei Paulo, Itabaiana e Aracaju, com passagens por Alagadiço e Mocambo. Ganhou muita simpatia e prestígio com o patrão porque era muito responsável e consertava tudo que quebrava no veículo, trazendo muita economia ao patrão. Há quinze dias no emprego a Marinete foi interceptada na entrada de Pinhão pelo bando de Lampião. O próprio capitão Virgulino Ferreira, adentrou a marinete e com seus cabras, Cobra Verde, Vorta Seca e Caninana promoveram o terror no seu interior, saqueando o coletivo e distribuindo bofetadas nos passageiros lhes tomando os pertences e fazendo ameaças de morte. Lampião ficou em pé, ao lado de Zé Graça e disparou com um parabelo para assustar o motorista. Ele permaneceu inabalável , como se nada tivesse acontecido. Disse apenas ao rei do cangaço essa arma está desbalanceada. Então Lampião tirou as balas e pediu para ele regular. Com algumas ferramentas em menos de 15 minutos desmontou e montou o parabelo e devolveu ao seu dono. Lampião novamente atirou num mourão de cancela e disse: “ Mas que maravia, tá como nova” Em instantes deu ordem a seus cangaceiros e estes trouxeram três rifles papo amarelo, defeituosos e Zé os consertou imediatamente deixando as três armas como novas. Em retribuição Lampião mandou que devolvesse todos os pertences roubados dos passageiros. Convidou Zé para se juntar ao bando prometendo muito dinheiro e proteção mas este prontamente se recusou.
Ele ligou a marinete e seguiu para Frei Paulo ao parar na porta do mercado na praça Capitão João Tavares , foi grande o alvoroço e Firmino Mendonça ficou preocupado com a situação e passou a andar armado. Zé de Graça sempre foi uma pessoa muito pacífica, mas ao saber das atrocidades praticadas na região pelo temido cangaceiro Zé Baiano , resolveu se armar e para onde ia, bem ao lado da cadeira de motorista estava um rifle papo amarelo,batizado de “Dengosinho”, arma que dedicou atenção especial com sua habilidade inquestionável, entretanto, ele inadvertidamente alardeou que não via a hora de entrar em combate com os cangaceiros. Dizia isso a quem tomasse acento na sua marinete. Porém a notícia se espalhou e chegou aos ouvidos do facínora Zé Baiano e este imediatamente resolveu montar uma emboscada para acabar com a vida de Zé de Graça.
Em março desse mesmo ano, Zé Baiano armou sua emboscada na Terra Dura, diante da entrada que vai para o Saco do Ribeiro (Ribeirópolis), sabia ele que Zé de Graça passava as 5:30 da manhã naquele local e como uma cobra silenciosa e traiçoeira se preparou para dar o bote, porém resolveram descer um pouco mais até a ladeira do Moreira e lá avistaram um caminhão que passou com uma carga alta. O bandido perguntou a um popular se a marinete de Firmino já passou e este respondeu : “ Acabou de passar agora mermo”. Zé Baiano indignado atirou o chapéu no chão e jurou vingança contra Zé de Graça , neste exato momento a marinete passou a toda velocidade não dando tempo do bandido atirar. Cinco minutos depois 3 soldados da força volante que viajavam a pé entre eles Joaquinzinho que portava um Fuzil metralhador FMH, ao avistar Zé Baiano e seus bando, disparou duas rajadas em sua direção que a poeira cobriu , eles escaparam e se embrenharam na mata pelo terreno de Zezé de Buril. Meses depois, Zé Baiano foi morto, mais precisamente no dia 7 de julho de 1936. Cansado de ser perseguido pelos policiais devido ao envolvimento com o cangaço, o comerciante Antônio de Chiquinho, armou uma emboscada aos cangaceiros. Durante uma entrega de alimentos em 7 de julho de 1936, na Lagoa Redonda em Alagadiço, acompanhado dos conterrâneos Pedro Sebastião de Oliveira (Pedro Guedes), Pedro Francisco (Pedro de Nica), Antônio de Souza Passos (Toinho), José Francisco Pereira (Dedé) e José Francisco de Souza (Biridin), Antônio deu fim a Zé Baiano e seu bando. Manteve segredo do fato durante quinze dias, temendo represálias de Lampião. O cangaceiro, contudo, decidiu não se vingar após ser convencido por Maria Bonita que o empreendimento poderia ser perigoso, pois o povoado contava com a presença de uma ronqueira“ canhão”
O Gênio Zé de Graça ( Cap. 15 )
Zé Graça aprendeu a ler, mas isso para ele não seria o suficiente, sentia sede e fome de saber. Sentia sobretudo, falta da escola. E escola naquele tempo era coisa de rico. O ensino no passado, era ligado à figura única do mestre escola. É uma espécie de professor coringa, sabedor de todas as disciplinas e detentor da instrução. Alguns abastados filhos de fazendeiros tinham esse privilégio e seus pais os colocavam na escola na esperança de ver seus filhos doutores num futuro alvissareiro. Mas Zé, era muito pobre e não possuía nada além de algumas roupinhas, aos 12 anos, cheio de inocência, era um menino meio absorto. Havia até quem dissesse que era meio retardado. A vontade de querer estudar contava com a oposição dos pais era muito comum os conselhos para se dedicar à roça "que é muito mais rentável." Havia também a crença que filho letrado viria futuramente a querer mandar nos pais. As mulheres estas é que eram raras nas escolas pois pregava-se abertamente que deveriam ser donas de casa obedecer ao marido e cuidar dos filhos. Mas mesmo a contragosto dos pais Zé de Graça que a essa altura já sabia ler conseguiu convencer o mais famoso mestre escola de Frei Paulo a admitir ele como aluno. O maior e mais tarimbado mestre escola de Frei Paulo foi o professor Manoel Joaquim Fiapo. Era o pai de Dona Dalila .Ele prestou um relevante serviço ao povo freipaulistano no início do século passado, instruindo várias gerações. Naquele tempo estar formado era ter o curso primário, quatro anos e estava formado. O ginásio só seria fundado muitas décadas depois. Quem quisesse seguir os estudos teria que ir morar na Vila de Itabaiana. Mesmo assim, Zé era um jovem realizado pois sabia que não ia fazer o curso ginasial nem tampouco ser doutor. Mas orgulhava-se de ser excelente aluno em aritmética, Caligrafia, e o melhor de todos em conhecimentos gerais. Quando terminou o curso o mestre escola que foi homenageado como nome de rua o designou para ser o orador da turma . Era uma terça feira de 1923 ele estava impecável , calça de linho branco , camisa branca de brim, ao lado de uma mesa ornada com flores de papel crepom. Iniciou descrevendo um dia importante de sua vida. “Querido mestre escola, estimadíssimos colegas, é com muita emoção que hoje concluo meus estudos. Mas prometo que jamais deixarei os livros e o conhecimento. Hoje me sinto o jovem mais tranquilo do mundo, lembro que há 13 anos , quando da passagem do cometa Haley aqui na terra, eu me deixei levar pelo medo e pela ignorância acreditando piamente que o mundo iria acabar naquele dia. Com muita angústia fiquei acordado aquela madrugada observando a passagem triunfal desse cometa brilhante de período intermediário que retorna às regiões interiores do Sistema Solar a cada 75,3 anos, aproximadamente. Sua órbita em torno do Sol está na direção oposta à dos planetas e tem uma distância de periélio de 0,59 unidades astronômicas; no afélio, sua órbita estende-se além da órbita de Netuno. Foi o primeiro cometa a ser reconhecido como periódico, descoberta feita por Edmond Halley em 1696 . Naquele dia tremi como vara verde diante dos ventos e da tempestade incessante, mas hoje trazido à luz do saber, sinto-me seguro. Obrigado, digo a todos vocês, de cátedra, que em 1910, uma série de notícias a respeito do cianogénio, gás letal presente na cauda do cometa, criou um clima de pânico à escala global. Hoje, graças a vocês, conhecedor da verdade, aprendiz do mundo, com a alma tranquila e a consciência cósmica, sinto-me um soldado da ciência, pronto para a próxima visita do cometa em nossa querida Frei Paulo.” Assim encerrou seu discurso de formatura e diante de um clima de perplexidade, Manoel Fiapo, puxou as palmas que ecoaram no salão paroquial.
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